Do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 62-A/2020, de 03 de Setembro, que revogou a norma do Decreto-Lei n.º 17/2020 que mandava “reagendar as viagens canceladas ou substituí-las por um vale só resgatável em 2022”, o que segue:
“… o Governo entende que a solução prevista no Decreto-Lei n.º 17/2020, de 23 de Abril, que permitia, em caso de cancelamento ou não realização da viagem por motivos associados à pandemia da doença COVID-19, a emissão de um vale de igual valor ao pagamento efectuado pelo viajante ou o reagendamento da viagem, se afigurava como verdadeiramente excepcional e se destinava a responder a um contexto específico de cancelamento “massivo” de viagens junto das agências, o qual não se verifica no momento presente. Assim, sem prejuízo dos vales já emitidos e das viagens entretanto reagendadas ao abrigo do regime excepcional e temporário, importa reajustar o regime jurídico das viagens organizadas.”
Os reagendamentos efectuados e os vales emitidos são, na óptica do Governo de Lisboa, intocáveis. Logo, os reembolsos não serão possíveis, a não ser lá para o raiar de 2022…
De onde decorre, pois, que os reembolsos reclamados a partir de 4 de Setembro terão de ser satisfeitos, mas os que caíram sob as garras da legislação contrária aos ditames da Directiva Europeia de 2015 e da correspondente legislação nacional de 2018 não serão contemplados senão a partir de Janeiro de 2022.
Com o que se escancara a porta a uma injustiça de inenarráveis proporções. E que faz com que Portugal continue a prevaricar, não cumprindo as disposições em vigor no Direito da União Europeia, contra as advertências da Comissão Europeia.
Para que os consumidores lesados reivindiquem o seu direito ao reembolso imediato o que há que fazer?
Socorremo-nos do que a Prof.ª Doutora Susana Almeida, vice-presidente nacional da apDC, fez publicar nas páginas do Diário “as beiras” de 05 de Agosto próximo passado para oferecer aos lesados a hipótese de recorrerem de imediato aos tribunais arbitrais de conflitos de consumo competentes, a fim de verem “resgatados” os seus direitos vergonhosamente afrontados pelo Estado português.
Eis o encadeado lógico ali vertido:
1 . “O DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA PREFERE AO DIREITO NACIONAL
“Nas viagens organizadas o viajante tem direito a pôr termo ao contrato com reembolso integral imediato dos pagamentos efectuados, redacção da Directiva Europeia das Viagens Organizadas que passou para o DL n.º 17/2018, de 8 de Março. Em vigor em Portugal.
O DL n.º 17/2020, de 23 de Abril, entre as medidas excepcionais e temporárias relativas ao sector do turismo vem prever que o cancelamento de viagens organizadas (marcadas para o período entre 13/03/20 e 30/09/20) não permite a resolução (extinção) do contrato com o consequente reembolso imediato do valor pago.
De acordo com esta lei, os viajantes só terão direito ao reembolso em 2022, caso o vale emitido não tenha sido usado ou o reagendamento não tenha sido feito até 31/12/21. Temos, pois, uma desconformidade entre o regime luso em vigor e as directrizes provindas de Bruxelas, o que, aliás, já originou um processo de infracção contra o Estado Português.
2. O EFEITO DIRECTO DA DIRECTIVA
Ora, pese embora a Directiva seja um acto destinado aos Estados-Membros e careça de transposição, tem o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) veiculado que a Directiva tem efeito directo quando as suas disposições são incondicionais e suficientemente claras e precisas.
Por conseguinte, e salvo melhor opinião, a Directiva (UE) 2015/2302 é uma Directiva de harmonização máxima e que apresenta disposições incondicionais e suficientemente claras e precisas, pelo que poderá ser invocada e aplicada directamente pelos nossos órgãos jurisdicionais.
Logo, pode ser invocada pelos interessados perante os tribunais judiciais ou arbitrais e ainda os julgados de paz.
3. O JUIZ-ÁRBITRO COMO JUIZ DO DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
Acresce ainda que tais invocação e aplicação poderão ser feitas por um juiz-árbitro, já que, de acordo com o entendimento do Tribunal de Justiça da União Europeia, o tribunal arbitral necessário é considerado um órgão jurisdicional na acepção do art.º 267 do Tratado de Funcionamento da União Europeia para efeitos de reenvio prejudicial. Se assim é, também poderá aplicar directamente a Directiva pelas razões acima aduzidas.
Aconselhamos, pois, os consumidores destes serviços que recorram aos tribunais arbitrais e à invocação do disposto na Directiva (UE) 2015/2302, com a consequente devolução imediata e integral dos pagamentos efectuados.”
Cabe, portanto, a cada um dos lesados (os que – por força do DL 17/2020 – tiveram de reagendar as suas viagens ou receberam, em substituição, um vale pós-datado a 31 de Dezembro de 2021) lançar mão destes meios, a fim de serem reembolsados – o quanto antes – dos montantes de que se viram privados, recorrendo aos tribunais arbitrais da sua área de residência ou, supletivamente, se tal não for possível e sejam quais forem as razões, ao Tribunal Arbitral Nacional (CNIACC), hoje sediado em Braga. Poderão fazê-lo, em princípio, por via electrónica.
A apDC vai participar às instâncias competentes da Comissão Europeia o facto de Portugal continuar a incumprir os normativos europeus (pelo recurso esta manobra baixa), a fim de reforçar as posições que vem adoptando desde que o Governo de Lisboa ousou desrespeitar a “Directiva das Viagens Organizadas”, “revogando-a” escandalosamente…
apDC – DIREITO DO CONSUMO – Coimbra