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Semanário no Papel - Diário Online

 

Manuel da Silva Alexandre

Os Sinos da Torre do Mosteiro de Santa Cruz

25 de Setembro 2020

Sinos Torre Santa Cruz

A Torre Velha dos Sinos construída no século XVI, tendo por base a muralha de defesa do mosteiro de Santa Cruz do Séc. XII, foi derrubada a 3 de Janeiro de 1935.

O seu estado de conservação levantou previsões de risco para a população.

Os nove sinos, alcandorados nessa torre, foram atingidos pelo destino da sua derrocada. Ficaram reduzidos a fragmentos de diversos tamanhos.

Anunciaram a chegada de reis e as fazes do dia-a-dia. Agora eram “cacos”.

Terminava, assim, quatro séculos de serviço à Comunidade e à cidade de Coimbra.

Os fragmentos a que ficaram reduzidos ficaram amontoados e guardados numa capela do Claustro do Mosteiro de Santa Cruz localizada ao lado da Capela de Jesus.

Ali repousaram em paz e sossego, até 1940.

Inaugurava-se nesse ano, em Coimbra, a emblemática e instrutiva obra do Dr. Bissaya Barreto: Portugal dos Pequenitos.

Para alguns dos Monumentos Nacionais reproduzidos nesse projecto, eram necessárias sinetas. Recordaram-se então que havia o bronze dos fragmentos dos sinos da Torre do Mosteiro de Santa Cruz. O raciocínio foi fácil: sendo o Mosteiro Monumento Nacional os fragmentos eram propriedade do Estado!

Pároco da freguesia de Santa Cruz era, ao tempo, o padre Joaquim Duarte Alexandre. Na defesa dos Direitos e Doutrina da Santa Igreja, não tinha flexibilidade; por esse “crime” teve a “honra “ dos calaboiços da Penitenciária na época da perseguição religiosa, posterior à Implantação da República. Para ele, os fragmentos eram propriedade da Igreja de Santa Cruz e património à sua guarda e responsabilidade.

Da diferente interpretação jurídica e do conflito de interesses nasceu uma relação entre duas personalidades que foi tudo, menos amistosa.

A cidade de Coimbra acompanhou esse litígio. Mereceu carro alegórico no cortejo da Queima das Fitas.

Os fragmentos foram removidos, com presença de polícia, para local indicado pelo Dr. Bissaya. O auto de entrega foi assinado pelo padre António Nogueira Goncalves possuindo este, uma procuração do pároco da freguesia de Santa Cruz, procuração essa que não transmitia explicitamente poderes para entrega do património.

Baseado nessa circunstância, o pároco recorre aus tribunais para reaver a propriedade que lhe estava confiada. Esse processo chegou ao Supremo confirmando este, por maioria de um voto, as sentenças anteriores: os fragmentos são propriedade do Estado.

Terminaria a história aqui, se não fora um despacho assinado pelo Presidente do Concelho, doutor Oliveira Salazar, entregando (restituindo) à Igreja de Santa Cruz os fragmentos dos sinos, restando no Estado, apenas 280 kg deles.

São esses que se apresentam, transformados em sinetas nalgumas reproduções de Monumentos Nacionais, no Portugal dos Pequenitos aos quais se refere o historiador Joao Pinho no seu artigo publicado no “ Campeão” de 31-08-2020.

As restantes toneladas foram refundidas em Fátima, onde Manuel Goncalves fundiu e temperou os 62 sinos do carrilhão da Basílica do Santuário de Fátima. Ali “renasceram” também dos fragmentos os sinos que hoje se encontram dependurados em estrutura mais ou menos provisória, no pátio contíguo aos Lavabos da Sacristia da Igreja de Santa Cruz. Com esta solução, julgava o padre Alexandre que evitava cobiças futuras.

Têm som, têm timbre e forma diferente, não têm função.

Aguardam silenciosamente outros tempos?

Repousam, para já, na “casa” que serviram durante séculos: no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra.

Viena (Áustria)