Joaquim Sande Silva, especialista em floresta e Professor na Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Coimbra, considera a legislação sobre a floresta em Portugal “um tremendo emaranhado”, em que a maior parte “não passa de boas intenções”, inclusive o Programa de Transformação da Paisagem.
Indicando que já houve tempos em que se tentou criar um Código Florestal que funcione como legislação de base para regulamentar todas as actividades a nível florestal, o perito que integra o Observatório Técnico Independente sobre incêndios receia que devido à força social, uma vez que a floresta em Portugal é maioritariamente de propriedade privada, e devido à força da natureza, com a existência de áreas muito vastas no país, sobretudo no Centro e no Norte litoral, com espécies exóticas, nomeadamente o eucalipto, com uma grande resiliência e com grande dificuldade de remoção para plantar outra espécie, as intenções de mudança “não passem disso”.
“Em Portugal desistiu-se desse Código e o que temos é basicamente uma grande manta de retalhos que não torna a tarefa nada fácil a quem tem de cumprir a legislação”, defende o especialista em floresta.
“Temo que o país não esteja suficientemente preparado para evitar aquilo que já aconteceu há três anos”, alertou Joaquim Sande Silva, referindo-se aos incêndios de 2017 e apontando como grande falha a morosidade quanto à implementação de medidas.
“No terreno não se nota praticamente alteração nenhuma”, à excepção da limpeza junto a estradas e casas, em que houve um enfoque muito grande, “devido até a uma certa atitude coerciva por parte do Governo”, com a aplicação de coimas, frisou Joaquim Sande Silva, em relação à reforma da floresta de 2017.
Ainda que a limpeza do mato possa ter um efeito benéfico, de forma indirecta, a nível da propagação dos incêndios, porque “permite que as forças de combate não se dispersem e não se concentrem na defesa das casas”, o perito ressalva que “está muito longe de ter um efeito benéfico em termos reais”.
Para o Professor da Escola Superior Agrária de Coimbra, a legislação sobre gestão de combustível florestal “está profundamente errada em termos técnicos, porque preconiza o abate de árvores no pressuposto que os fogos se propagam maioritariamente através das copas”.
Por outro lado, há locais prioritários, como à volta de escolas e de zonas industriais, onde “não há coragem suficiente” para obrigar os proprietários privados a fazerem a gestão da vegetação à superfície, inclusive das câmaras municipais, aponta Joaquim Sande Silva, acrescentando que “são medidas impopulares”, porque muitas das vezes o proprietário está a tirar rendimento daquela parcela e, se se aplicar a lei, deixa de ter esse rendimento.
Sobre o papel do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), o especialista indica que este organismo do Estado “não tem dado provas de ser mais operacional do que uma Câmara Municipal neste tipo de situações, antes pelo contrário”, porque tem vindo a ser descapitalizado ao longo dos anos.
“Os serviços florestais têm perdido capacidade operacional praticamente em contínuo desde o 25 de Abril [de 1974], portanto, entre o ICNF e uma Câmara Municipal, claramente escolho a Câmara Municipal”, adianta.
Relativamente à proibição de novas plantações de eucalipto, o perito do Observatório Técnico Independente tem dúvidas que a lei tenha conseguido parar a expansão do eucalipto nestes últimos três anos, mas reforça que “foi um excelente sinal político”, entendendo que foi a medida “mais corajosa” no sector da floresta, inclusive ao “enfrentar ‘lobbys’ muito poderosos”.
Em relação ao programa “Emparcelar para Ordenar”, “há um imbróglio tremendo a nível fundiário no país” que dificulta o emparcelamento de propriedades, explica Joaquim Sande Silva, ressalvando que “é altamente desejável”, mas há que resolver “as tramitações complicadíssimas que existem a nível das conservatórias”, a questão das heranças indivisas e as terras sem dono conhecido.
“Precisávamos de mudar muito a nível administrativo e, se calhar, a nível social também para conseguir ter uma adesão massiva dos proprietários florestais, de modo a termos alterações significativas a nível de emparcelamento”, expôs Joaquim Sande Silva.
Entre os constrangimentos para a implementação das medidas, em que se inclui o arrendamento forçado, o principal é a falta de cadastro da propriedade rústica em Portugal, um problema que “não está resolvido enquanto não houver um Governo que faça um programa a sério para todo o país, com um orçamento associado”, argumenta o especialista em floresta, advertindo que tem de ser o Estado central a tomar essa iniciativa, rejeitando que sejam as câmaras municipais a investir nesse desígnio nacional.
“O cadastro não é uma coisa popular junto de muitos proprietários, nem de muitos agentes, porque isso, depois, poderá vir a trazer um maior controlo sobre as actividades que se passam em cada parcela, poderá vir a trazer impostos acrescidos, trazer uma série de responsabilidades que muitos agentes a nível privado nem sequer estarão muito interessados em assumir. Se não for o Estado a tomar essa iniciativa, receio muito que nos fiquemos, mais vezes, por legislação bem-intencionada”, avisa.
Além do investimento no cadastro, Joaquim Sande Silva propõe alterações para tornar “realmente operacionais” as Zonas de Intervenção Florestal (ZIF), criticando a criação da figura de Áreas Integradas de Gestão da Paisagem “esquecendo um bocado o trabalho já feito antes, fazendo um bocadinho tábua rasa do que já existia”.