Sentia-a dentro de mim, como uma Senhora. Descobria-a, como a mais encantadora cantadeira de Fado. Identifiquei-a como a mais pura Mulher, com uma alma de cores repartidas para amar. Fiquei, a partir de a visitar, na sua casa em Lisboa, um fã, da mais portuguesa de Portugal.
Hoje, perfaz-se o centenário do Nascimento de Amália Rebordão Rodrigues.
Quando, por mais de vezes e sem conto, tertuliei e convivi com a D. Amália, o meu coração enchia-se de orgulho. Apaixonei-me por ela, como a mais ilustre cultora do Fado de Lisboa. Tinha um sentimento forte por a ter conhecido. Motivou-me a paixão de a perceber, pois deitava lume de encantos.
Recordo um título do New York Times, por volta dos anos 56 ou 58, de primeira página, que ela me mostrou, na Rua de S. Bento, em sua casa, numa das noitadas:
Amália: Canta e Encanta
Muito já se disse de Amália. Umas pinceladas, aqui ficam.
Foi amiga de Cantinflas, o conhecido actor mexicano Mário Moreno; de Anthony Quinn, o célebre actor norte-americano; de Frank Sinatra; de Edith Piaff (foi ao casamento); de Alain Oulman (compositor francês que veio viver para Portugal, pós II Grande Guerra), de Júlio Iglésias e de tantos outros.
Oulman desafiou-a a cantar os grandes poetas: Camões, Zeca Afonso, Adriano, Pedro Homem de Melo, Alexandre O´Neil, Manuel Alegre e outros. Empeçou, ao princípio. Dizia – contava-me – que achava que não tinha classe para exultar tão grandes figuras nacionais. Revolucionou o Fado, ao aceitar esse brutal desafio, mesmo com uma chuva de enxovalhos. Resultou e o Fado exaltou…
Amália foi poetisa de grande veia. Foi embaixatriz do seu amado País, Portugal. Correu mundo e celebrizou as palavras Saudade, Deus, Povo, Pecado, Grito, Amor, Evocação, Sentimento e tantas outras. As que nos diziam muito, cá dentro de cad um de nós.
Amália era humilde, apesar do estrelato que alcançou. Penso que nunca soube avaliar a posição cimeira que a projectou. Isso não fazia parte do seu mundo, donde vivia. Era uma verdadeira criança, sem manchas e com muita fantasia à mistura.
Um dia, em casa dos meus pais, em Coimbra – pedira-lhe para os visitar, honrando os meus pais com a sua presença e manifestou vontade de estar presente – onde jantámos, ofereci-lhe uma surpresa: presentei-a, no final, com a excelência da guitarra portuguesa do fino tocador, o Paulo Soares. Extasiou-se com o dedilhar e com a sonoridade que o “Jójó” imprimia ao instrumento. Levantou-se da mesa e, com uma capa por cima dos ombros, juntou-se ao grupo de guitarristas, trauteando uns faduchos. Deixou-se levar pelo encanto das melodias dos seus fados e alguns de Coimbra. Já tarde, e na hora de abalar, porque Coimbra tem mais Encanto na Hora da Despedida, Amália, em voz alta, virada para o Paulo Soares, deixou palavra:”você é o Carlos Paredes do nosso tempo”. Ficou registado.
Fui aos USA com a D. Amália, viajei com ela para muito lado. Foi madrinha de um bar, o Real República de Coimbra, que tive, com o Rui (1998-2007), no Parque das Nações.
Outras histórias contarei, brevemente.
Agora, o que me interessava – e mesmo – era recordar a sua memória, a sua presença amiga, a sua refrescante pureza humana e a sua grandeza de alma, neste dia comemorativo e celebrativo.
E dizer com convicção: AMÁLIA FOI A MAIS PORTUGUESA DE PORTUGAL.