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Catarina Isabel Martins

Intermitências das pandemias – pensar Coimbra

16 de Julho 2020

Ao longo da pandemia que vivemos, muitas vozes sinalizaram a oportunidade de transformações importantes, dado que problemas há muito existentes se aprofundaram. Urge concretizar esta oportunidade, também em Coimbra, no sentido de, finalmente, assumir como prioridade as pessoas e a comunidade, bem como a sua qualidade de vida em todas as dimensões: saúde, habitação, trabalho, ambiente, igualdade, educação, cultura, protecção social, fruição do espaço público.

Tornar a mencionar o desleixo a que Coimbra tem sido entregue pelos sucessivos executivos camarários é, infelizmente, uma banalidade tão triste quanto as ruas abandonadas da Alta e da Baixa. A pandemia revelou-nos o quão fantasmagórico se tornou o centro histórico, onde alguns comerciantes resistem e projectos inovadores, com enorme investimento de coragem individual, são desprezados pelo governo municipal. Verificámos a precariedade da habitação, as desigualdades sociais agudizadas, o abandono de pessoas pobres, sem abrigo, imigrantes e idosas, e de crianças sem o amparo das escolas; sentimos a imensa necessidade de espaços verdes e da sua qualificação, bem como do cuidado com as ruas e praças; precisámos do comércio de proximidade e dos produtores locais, destruídos pelos hipermercados; faltaram transportes públicos e infraestruturas básicas de comunicação num território concelhio fortemente desigual; assistimos à desertificação com a ausência de estudantes e turistas, numa cidade que vive desta população flutuante e de visitas efémeras e que, por falta de qualidade de vida nesta dimensão ampla, não capta nem fixa habitantes.

A Câmara de Coimbra, aparentemente, reagiu de forma positiva na resposta imediata à pandemia, com destaque para a Acção Social, embora ainda falte o balanço das medidas anunciadas desde Abril, e muitas delas careçam de maior duração. Foram, finalmente, realizadas obras há muito planeadas e que, estrategicamente, a Câmara reservou para habitual “mostrar de obra” propagandístico do ano que antecede eleições. Ganhámos uma praia no Rebolim, importante para “fazer férias cá dentro”; ganhámos algumas (poucas) das ciclovias por que clamávamos há décadas; o Parque Verde mostra um avanço lento de obras nos bares, mas permanece maltratado, o Mercado Municipal terá espaço de restauração, e as esplanadas alargaram-se, por força do “distanciamento social”. Mas o que falta é também bastante óbvio.

É urgente criar habitação de qualidade para todas as pessoas, com rendas controladas e a salubridade básica e a sustentabilidade energética que muitas ainda não têm; limpar e qualificar o espaço público e animá-lo com jardins, recantos de convívio; criar espaços para espectáculos ao ar livre dos artistas locais que, hoje, são quem dá vida às nossas ruas, em desespero de sobrevivência; aumentar os espaços verdes, de lazer, e para a prática desportiva, cuidando as freguesias rurais e a natureza; reforçar os pequenos centros de bairro, criando comunidades coesas em torno de comércio de proximidade, e fomentar a produção local de bens alimentares, com qualidade biológica, dinamizando mercados nas freguesias; melhorar muito o cuidado das pessoas vulneráveis, com reforço decisivo do investimento em políticas sociais; criar creches públicas municipais e outros centros para acolher crianças em tempos livres, com fortes dinâmicas de exterior; disponibilizar bicicletas para uso colectivo como meio de transporte; criar coesão e igualdade territorial com uma rede reforçada de SMTUC e infraestruturas básicas, incluindo de telecomunicações; incentivar a criação de pequenas empresas locais com os saberes de pessoas desempregadas, projectos criativos e um comércio diferenciado.

Perguntam: E a economia, estúpida? É urgente perceber que tudo isto é já a economia que queremos. Para além disso, na era do teletrabalho, o que atrai gente e investidores para a cidade, para além de estímulos empresariais, é a qualidade de vida que um lugar singular e acolhedor oferece, nomeadamente a famílias jovens e diversas, que procurem segurança, mas também a fruição de estímulos múltiplos e contemporâneos para o corpo e a mente, em linha com dinâmicas culturais cosmopolitas.

Poderia continuar nesta enumeração, já que uma cidade que há décadas não é cuidada necessita, face à pandemia, de cuidados transversais que não podem ser adiados. A pandemia, com intermitências, estará para ficar. A transformação é que, definitivamente, não pode ser adiada.

(*) Professora Universitária, elemento da Comissão Coordenadora Concelhia do Bloco de Esquerda Coimbra