Coimbra  15 de Maio de 2025 | Director: Lino Vinhal

Semanário no Papel - Diário Online

 

Carlos Costa Almeida

Covões e HUC: Quem anda a brincar connosco?!…

15 de Julho 2020

É verdade que a realidade ultrapassa largamente a mais delirante ficção. E na má gestão hospitalar também.

Coimbra tem dois Hospitais Gerais Centrais, de modo que se pode discutir a colocação duma nova Maternidade junto a um deles, na periferia da cidade, com fáceis e rápidos acessos a todas as horas do dia, e sem sobrecarregar ainda mais o espaço limitado do outro, encravado que está no centro da cidade. E foi mesmo possível tratar nesse, o da periferia, os doentes de covid-19, afastando-os do outro temporariamente e concentrando-os nele, possuidor como é de todos os meios necessários para essa doença complexa, desde os cuidado intensivos, hemodiálise e cuidados intensivos coronários, à imagiologia, de TAC e Ressonância, às camas necessárias e aos serviços de medicina interna, cardiologia, pneumologia e nefrologia, para além de terem sido feitos regressar os especialistas de infecciologia, que entretanto tinham sido “concentrados” no HUC. Foi nomeado hospital de referência para a covid-19 no pico dessa pandemia. Porque existe e porque o pôde ser. Sem ter de se recorrer a contentores para se meterem os doentes (!), ou erguer tendas de campanha ou pôr camas em pavilhões desportivos, como foi necessário fazer noutras cidades do nosso país…

Pareceu a todos prova evidente da capacidade hospitalar na cidade de Coimbra, à medida do necessário. Mas afinal parece ter sido apenas um acaso. Nada foi planeado, tudo foi, na realidade, salvo pelo ataque inesperado da epidemia!

Vejamos. Passado o momento mais crítico dela, eis senão quando o pretendido desmantelamento do Hospital dos Covões, enquanto Hospital capaz de tratar com êxito uma pandemia ou dar apoio médico-cirúrgico a uma Maternidade, continuou, inapelavelmente! Literalmente, porque continuou apesar de todos os apelos em contrário dos profissionais de saúde e da população de Coimbra! E da grande maioria das forças políticas, incluindo o partido do governo! Na verdade, o desmantelamento foi interrompido apenas no período em que se mostrou a capacidade e necessidade do Hospital… depois continuou, como se nada fosse!…

Encerraram-se camas que tinham sido reabertas (depois de fechadas, mais de cem), mais muitas das que continuavam abertas. Os serviços clínicos de Cardiologia e de Pneumologia passaram para o HUC. Tal como os nefrologistas, mantendo-se, por enquanto, a Hemodiálise. Encerrou-se a Unidade de Cuidados Intensivos Coronários (UCIC). Encerrou-se a enfermaria da Cardiologia e, para tornar mais marcante e irreversível esse encerramento, retiraram-se de lá as camas e fecharam-se as portas à chave. Uma das enfermarias que eram de Neurologia mantém-se, com doentes de covid-19. O Laboratório de Hemodinâmica continua a ser usado, mas sem possibilidade de se colocarem stents ou fazer outros tratamentos, sem apoio da UCIC, encerrada. Fiquemos à espera do primeiro doente que necessite de recorrer de imediato a cuidados intensivos coronários, agora separado deles por oito quilómetros de distância e a chamada duma ambulância. Depois falaremos.

No que respeita à Cirurgia, continuam algumas camas, com um bloco operatório com a maioria das salas de operações fechadas: cinco em nove!

Foi solicitado pela administração do CHUC o encerramento da Urgência, que, por indicação da ARS Centro, deverá passar a básica… Mas, ao mesmo tempo, há um projecto de construção para ampliação da Urgência do HUC! Como se o problema das esperas de oito horas por atendimento fosse do tamanho físico das instalações!

E, cereja no topo do bolo do desmantelamento do Hospital, prepara-se agora o avanço do que foi interrompido, abrupta e inesperadamente, pela pandemia: o encerramento da Unidade de Cuidados Intensivos! Uma Unidade muito moderna, grande, de elevada qualidade, que mostrou ser altamente eficaz. E, ao mesmo tempo, estão planeadas obras de ampliação na do HUC, para duplicar a capacidade, ocupando espaços doutros Serviços…. A realidade ultrapassa a pior ficção! E fica cara… muito cara… a todos nós.

No meio desta destruição toda, anuncia-se a instalação duma “enfermaria de envelhecimento activo”, seja lá o que isso for, e uma unidade de reabilitação cardíaca. Esta sem cardiologia por perto, como é desejável…

Em conclusão, de dois Hospitais Gerais Centrais faz-se desaparecer um, tornado em qualquer coisa que será pouco mais que nada e não seguramente um Hospital, e o outro é aumentado ainda mais, concentrado ao inadmissível, acrescido, ultrapassando fisicamente as suas já gigantescas dimensões. Ao qual ainda terá de se acoplar uma Maternidade, já que passará a ser o único Hospital Geral em Coimbra. Haja Deus! E dinheiro…

Isto é, destrói-se um, e ao mesmo tempo aumenta-se, a peso de ouro, o outro! Por decisão do conselho de administração nomeado? O governo não sabe?! E nós todos pagamos estes desvarios de gestão concentracionista e monopolista?!

No meio deste processo todo, vem um ex-ministro da saúde, um dia demitido por Sócrates desse cargo, mentir na televisão, negando este desmantelamento. Mentiu porque disse o que lhe terão dito pelo telefone para dizer. Mas a verdade é que o que disse não é verdade. O desmantelamento deu-se e continua, como continuam também as afirmações dos responsáveis que “não se está a desvalorizar o Hospital dos Covões”. Não, que ideia, como se mostra pela descrição junta!!

Mas nesta matéria, afinal, quem está a brincar com as pessoas, os profissionais, os doentes, os políticos, os deputados da Assembleia da República? Quem está a brincar connosco?! O conselho de administração do CHUC?! A ministra da saúde?! O governo?! Todos?! Quem?!…

(*) Médico cirurgião e professor universitário