Todos temos o nosso carácter; termo que designa o aspecto da personalidade responsável pela forma habitual e constante de agir atinente a cada indivíduo. O carácter é a soma dos nossos hábitos, virtudes e vícios, pelo que existem na espécie humana inúmeras variações. O carácter remete, em última análise, para a formação moral e honestidade de cada indivíduo.
A idade que habita em mim, e alguma experiência somada em tempo de democracia, permite-me, com profunda tristeza, concluir que a sociedade moderna e industrial em que vivemos vem perdendo terreno no domínio do carácter. Os tempos puros da palavra dada e honrada, da firmeza de valores e princípios, estão quase em definitivo arredados da praxis – seja ela política, económica ou social.
O dinheiro dita todas as leis, associado a um vasto espectro de promessas, da empregabilidade ao bem-estar, da ascensão social ao protagonismo. Cometem-se, hoje, no século XXI, e em pleno progresso regressivo cultural, as maiores barbaridades pelo vil metal com danos inimagináveis para as gerações futuras.
Darei dois bons exemplos da falência do carácter dos quais tive conhecimento recente. O primeiro vem da área político-institucional e remete para uma vetusta instituição da nossa região. Confidenciava-me, há dias, e por telefone, um dos seus principais rostos: «João, depois que assumi o cargo não sei para onde me virar, tal a quantidade de jogos e manobras de bastidores, de minas e armadilhas que estão sempre a colocar a cada esquina. Andam todos de armas na mão e navalhas nos bolsos».
Ainda nesse dia tive outra desilusão provinda da ausência de carácter. Numa das principais páginas do Facebook, que venho seguindo com especial atenção e dedicada às coisas da cidade, um dos mais destacados opositores da política cultural reinante surpreendia-me pela negativa: ao fim de cinco anos de excelentes artigos opinativos (posts), criticando de forma construtiva a evolução de Coimbra, rendia-se aos encantos da serpente encantadora que desce matreira, da Sereia à Praça de Sansão.
Bastou acenar com uns enchidos turísticos e oportunidade de fazer algum cachet, para logo estender a passadeira vermelha às parcerias e novas oportunidades. E assim, sem pestanejar, à vista de todos, mandou para as kalendas anos e anos de aturado trabalho construtivo, trocando-o pelo carácter que, provavelmente, nunca teve nem terá. Mais um para uma triste colecção!
É este o mundo que queremos para os nossos filhos? E que estamos a deixar construir?
(*) Historiador e investigador