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Mário Frota

Internet: velocidades residuais para as zonas não urbanas

18 de Junho 2020

A ACOP – Associação de Consumidores de Portugal, sediada em Coimbra, dirigiu uma exposição ao ministro de Estado e da Economia e da Transição Digital em ordem à verificação exaustiva da velocidade de Internet nas zonas não urbanas e à circunstância de se registarem velocidades de Internet fixa inferiores a 2 megabits e, nas redes móveis, inferiores a 500 kbits.

As famílias precisam de ter, no mínimo, diz-se na exposição, velocidades de acesso de 10 megabits com 2 crianças a estudar e 1 progenitor a trabalhar em suporte de teletrabalho.

As velocidades “oferecidas” impossibilitam crianças e/ou jovens e seus progenitores de estudar e trabalhar, respectivamente (uma vez que, em inúmeras situações, o modelo, mesmo após o termo do estado de emergência, subsiste).

Daí que se exija se fixe uma velocidade mínima de serviço a que as operadoras se obriguem, nunca inferior a 20 megabits (que não valores mínimos como os anunciados, por exemplo, pela MEO, da ordem dos 256 kbits).

A ACOP entende (e nós com a instituição no clamoroso grito que ora ecoa) que se torna imperioso e urgente assegurar velocidades de Internet que garantam

• Uma não-discriminação entre quem viva nos meios urbanos e quem esteja domiciliado nos meios exteriores às urbes,

• Que as crianças e/ou os jovens tenham acesso em igualdade de condições aos meios de educação a distância ora propalados (e muitas infelizmente não têm…), bem como as respectivas famílias, por forma a manter-se uma actividade consequente dentro de parâmetros adequados.

A situação exige uma intervenção adequada, mesmo em fase terminal do ano escolar, ante a incógnita do que será o ano que se aproxima e a necessidade, ora renovada de – em determinadas circunstâncias – se operar a prossecução do regime de teletrabalho, como, de resto, já se anunciou para a função pública.

Conquanto uma das primeiras medidas decretadas pelo Governo tenha sido a do levantamento das exigências da qualidade das comunicações electrónicas, em manifesto desfavor aos consumidores, o facto é que, nas actuais circunstâncias, não se justifica que a Internet em meios não urbanos não revista os requisitos indispensáveis para que o ensino e o trabalho em suportes telemáticos se processem em condições de normalidade.

Com o gravame que tal é susceptível de representar da igualdade dos cidadãos perante os meios ofertados para a regular condução das suas actividades, seja na escola seja no trabalho.

Além disso, os consumidores pagam por um serviço que lhes não é prestado nas condições em que o contrataram. Razão por que os montantes da factura deveriam ser de análogo modo reduzidos, de harmonia com os princípios gerais de direito. Já que em tais circunstâncias as operadores ficam injustamente enriquecidas ante o correspondente empobrecimento dos consumidores. Como se tem por elementar.

Não se olvide que o cumprimento defeituoso das obrigações a que se adscrevem as operadoras constitui causa bastante para que seja posto termo ao contrato.

A propósito exactamente da velocidade da Internet, um jornalista da Lusa, domiciliado na Figueira da Foz, requisitara, em tempos, Internet para uma casa que tem em meio rural porque entendera passar ali o tempo em teletrabalho durante o surto pandémico que, aliás, perdura. A Internet jamais atingiu a velocidade contratada. Com os prejuízos daí advenientes.

A despeito da obstrução da operadora, instruímo-lo a que pusesse cobro ao contrato porque era direito seu.

A operadora, perante as evidências e a demonstração do direito do consumidor, acabou por anuir.

Claro que as operadoras, em geral, resistem, a “ver se a coisa pega”…

Mas é de uma funda desonestidade o que se passa: é de um autêntico “vender gato por lebre” com as inenarráveis consequências daí resultantes.

O facto é que o Código Civil estabelece no seu n.º 1 do seu artigo 802 que “se prestação se tornar parcialmente impossível, o credor tem a faculdade de resolver o negócio ou de exigir o cumprimento do que for possível, reduzindo neste caso a sua contraprestação, se for devida; em qualquer dos casos o credor [o consumidor] mantém o direito à indemnização”.

Oferecer o que se não tem nem pode dar é algo de profundamente desonesto e constitui, a seu modo, prática negocial desleal, na vertente de prática abusiva. Sujeita também a coima e a sanções acessórias.

Que os consumidores despertem e exijam, em justa medida, o que lhes compete.

Que ninguém esqueça: “a qualidade é função da exigência do consumidor”!

 

(*) apDC – Direito do Consumo – Coimbra