Portugal é o terceiro país mais envelhecido da Europa e continua a envelhecer aceleradamente. O índice de envelhecimento de Portugal passou de 98,8, no ano 2000, para 157,7, em 2018.
Coimbra é a quinta capital de distrito mais envelhecida do país, com um índice de envelhecimento de 201, ou seja, com 2,01 pessoas com 65 ou mais anos por cada jovem com menos de 15 anos. Muito superior à média do país.
Assim como as crianças requerem conhecimentos específicos e estruturas de saúde pediátricas, também os idosos, pelas alterações fisiopatológicas que sofrem, pela sua fragilidade e dependência e pela sua polipatologia e múltiplas necessidades, biológicas, físicas, mentais, sociais e adaptativas, precisam de uma abordagem particular e multidisciplinar apropriada, nomeadamente na área médica, mas não só.
A sociedade em que vivemos mudou radicalmente, em muitos aspectos para pior, com a consequente dificuldade das famílias em assumirem os seus idosos. Segundo Vera Slepoj, a família preocupa-se hoje mais com a satisfação de desejos do que com a assistência recíproca. Recorre-se cada vez mais à institucionalização e aos cuidadores formais e informais, o que desencadeia uma série imensa de dilemas sociais e de saúde, bem evidenciados pela pandemia da Covid-19 e os problemas dos lares, por exemplo.
Como refere o Prof. Gorjão Clara, o grande desafio que se coloca actualmente ao país é o de optimizar a assistência aos idosos, escalão etário cada vez mais numeroso e para onde todos caminhamos. Além disso, acrescenta, é fundamental criar ‘condições sociais’ que melhorem a sua qualidade de vida, o que passa, desde logo, por adaptar os espaços populacionais e os hospitais à realidade dos idosos.
Portugal tem 660 000 pessoas com 80 ou mais anos e não tem respostas suficientes para elas, nem em qualidade, nem em quantidade.
Quando fui Bastonário da Ordem dos Médicos, reconhecendo estes circunstancialismos e não obstante alguma oposição interna, a Ordem dos Médicos criou a competência em Geriatria. Repare-se que a medicina geriátrica já foi reconhecida como especialidade na Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Países Baixos, Espanha, Suécia e Reino Unido.
Enquanto médico num grande hospital universitário verifico diariamente as enormes carências na assistência aos idosos no nosso país e a desadequação dos nossos hospitais às particulares características e necessidades dos doentes dos escalões etários mais elevados. Provavelmente, todas as famílias sentem e sofrem também com essa realidade.
A conclusão é simples: são necessárias soluções para melhorar a assistência aos idosos.
A estratégia que Coimbra pode e deve desenhar parece óbvia: perfilar-se para liderar a geriatria a nível nacional e ser uma cidade de referência nesta área da assistência e do conhecimento a nível internacional.
Com o Ageing@Coimbra e o Multidisciplinary Institute for Ageing (MIA), uma importante vertente do caminho está a ser bem desenvolvida.
Mas falha algo de muito essencial, que falta também ao país: um hospital geriátrico e todas as estruturas de apoio a este tipo de instituição, com cinco componentes principais: de saúde, assistencial, social, de ensino e de investigação. É dispensável argumentar em defesa de um hospital geriátrico em Portugal, tão evidente é a sua necessidade num país de “velhos” (que não queremos que o sejam).
A nossa proposta, uma oportunidade estratégica que Coimbra não deve perder, é que Coimbra lute para que esse Hospital Geriátrico de referência nacional e internacional se localize em Coimbra.
O local ideal para um amplo conjunto de estruturas de qualidade dedicadas aos idosos, incluindo os cuidados paliativos e os continuados nas suas diferentes tipologias, é a Quinta dos Vales. A missão do Hospital dos Covões, que é urgente definir, passaria a ser orientada para a geriatria e a gerontologia, com internamento polivalente, nas suas múltiplas valências e especialidades. Obviamente, mantendo uma urgência médico-cirúrgica e uma ampla gama de serviços, nomeadamente a cirurgia do ambulatório, a hemodinâmica, o laboratório do sono e consultas médicas de adultos em todas as especialidades.
A margem esquerda do Mondego passaria a dispor de um grande hospital geriátrico polivalente, a referência nacional na geriatria, com administração própria mas a funcionar em íntima coordenação com o CHUC/HUC. Vamos lutar por isso, com inteligência e inabalável determinação?
Se Coimbra se quer desenvolver e ser pioneira, tem de desenhar uma estratégia nesse sentido e construir um novo futuro, sem estar permanentemente presa ao passado. Coimbra tem urgentemente de abrir os olhos, ou “lixa-se”, como tão bem afirmou o Campeão das Províncias.
Queremos Coimbra como referência nacional e internacional da Geriatria. Mas não bastam as palavras, é precisa estratégia e mais obra.
(*) Médico e vereador independente pelo movimento Somos Coimbra