Ficou célebre na história da implantação da democracia em Portugal a interpelação do então presidente da AAC, Alberto Martins, ao último presidente da República portuguesa do Estado Novo, Américo Thomaz, dando início à crise académica de 1969 – movimento estudantil de Coimbra que antecedeu a primavera de Abril.
Martins, que é hoje um respeitado advogado e político socialista, pediu a palavra em nome dos estudantes por discordar do sentido social e político de um regime decadente e sem solução e futuro para os seus jovens. Na época, usar da palavra para questionar, mesmo que de forma construtiva, era sinónimo de desrespeito, de ofensa grave, pelo que Martins poderia ter pago um preço bem mais alto do que a prisão a que foi condenado.
Nos tempos difíceis que atravessamos é bom não nos esquecermos do valor da liberdade, e do que ela custou a conquistar, que implica exprimir o que pensamos e sentimos, sempre com a noção de que a minha liberdade termina onde começa a do outro – assim penso e procuro agir em todas as minhas atitudes de vida.
Recordo-vos este episódio para fundamentar a minha discordância sobre muito do que vem acontecendo no nosso país: não consigo perceber a necessidade de activar um estado de emergência social (embora aceite o da calamidade pública); desconfio da não atribuição a cada município dos recursos necessários para decidir e gerir de forma independente a crise pandémica; penso que as comemorações de Abril na Assembleia da República, na forma presencial, foram uma ofensa a milhões de portugueses confinados aos seus lares; fiquei perplexo com a liberdade comemorativa do 1º de Maio atribuída às centrais sindicais; aguardo com curiosidade os critérios para a distribuição dos apoios a fundo perdido ao sector económico; lamento o machadismo teimoso e arcaico de Coimbra (tendo bem presente a perigosidade histórica de tudo quanto termina em “ismo”).
Discordo, também, da forma como os media usam as pessoas e as situações decorrentes da pandemia para ganhar audiências a tudo o custo, das intervenções errantes de Graça Freitas, do aproveitamento político-partidário que tem já os horizontes colocados nas autárquicas, ou da manipulação económica e social de forma a perverter a verdade desportiva do principal campeonato nacional profissional de futebol.
Peço, pois, a palavra para discordar de parte da gestão que tem sido feita da pandemia, não obstante o aparente sucesso propalado – só mensurável, em bom rigor, quando tudo tiver terminado.
(*) Historiador e investigador