*Director do Centro Responsabilidade Integrada de Psiquiatria – Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Estamos a viver um momento único nas nossas vivências com o mundo, a sociedade, a família e connosco próprios.
Ao longo do último século as nossas vivências históricas e traumáticas estão usualmente associadas às guerras, aos atentados, à violência e embora com algumas crises sanitárias, nunca neste século existiu até ao momento a sensação de vulnerabilidade e insegurança que a epidemia da covid-19 nos trouxe. Os jornalistas e os cientistas vão buscar ao baú dos registos a gripe espanhola, mas para nós parece algo muito distante e atribuímos a essa epidemia a inexistência de regras sanitárias na altura,que nos anos seguintes se implementaram nas sociedades mais desenvolvidas.
O envelhecimento é uma conquista do século XX, pois nos anos 30 do século passado a esperança média de vida situava-se nos 35 anos. Parece bizarro, quando agora falamos que a esperança média de vida anda nos 81 anos.
O envelhecimento e o impacto do aumento da prevalência das perturbações neuro-cognitivas nestes grupos etários trouxeram novos desafios sociais, com necessidade de se introduzirem soluções de apoio, que embora exíguas, vieram resolver as dificuldades de suporte para uma população que estava vulnerável (lares; residências; cuidados continuados integrados…).
Esta realidade global, já que não afecta só Portugal, mostra que os riscos desta epidemia é grande, no seio destas respostas sociais, atendendo às características que a larga maioria apresenta, com quartos partilhados, com dificuldade em ter os utentes em quarentena, mas também a exiguidade de recursos que impedem a organização de recursos humanos numa rotatividade que permita a resposta perante a existência de infecção comprovada da covid-19.
Mas também as dificuldades cognitivas destes utentes fazem com que as regras básicas de higiene, para evitar a propagação, sejam difíceis de serem implementadas, e também o distanciamento social, não me parecendo que o confinamento nos quartos, resolvam esse problema.
Mesmo que se faça, deveremos fazê-lo a que custo?
Sendo uma população com dificuldades cognitivas, na sua larga maioria não têm uma compreensão da situação actual, será muito difícil contê-los num espaço limitado, podendo gerar alterações do comportamento e agressividade, agravando com isso o seu quadro clínico e gerando mais sobrecarga emocional sobre os cuidadores.
Chegados aqui e parecendo estar a chegar a um beco sem saída, cumpre-me alertar-vos para que conduzam o vosso trabalho num caminho de sensatez organizacional.
Na realidade o maior risco dessa população vem do exterior, da contaminação que é feita através dos diferentes profissionais que aí trabalham.
Será importante adoptar medidas higiénicas, o uso de máscaras e fardamento, com roupa e sapatos próprios das unidades, evitando-se a contaminação externa e mesmo entre os diferentes profissionais.
Organizar tarefas por grupos, dividindo os que ficam um período de contenção no quarto, com os outros que deambulam no espaço e nas áreas comuns e em actividades de estimulação, diminuindo o risco de proliferação da infecção.
Existem regras gerais que esta epidemia nos deve fazer relembrar, permitindo diminuir o recrudescer de sintomas psicológicos e comportamentais nestes utentes.
Atenção
Assegure-se que tem a atenção da pessoa a quem se dirige e mantenha o contacto visual;
Limite as distracções e o barulho;
Identifique-se pelo seu nome e refira quem é (por exemplo, sou a sua filha, sou o seu enfermeiro, etc.);
Tenha em atenção défices auditivos ou de visão;
Simplifique as actividades e diminua o número de participantes;
Peça uma tarefa simples de cada vez e se ficar agitado direccione a sua atenção para outro assunto.
Linguagem
Fale pausadamente e com voz audível, um tom de voz apropriado, associado a expressões faciais e a linguagem;
Frases curtas, com palavras simples, bem pronunciadas e espaçadas;
Tente formular as questões de modo a que a resposta seja simples ou apresentando-lhe duas opções de resposta para escolher uma;
Emoções e Afecto
Trate o doente com respeito, com simpatia e afectuoso;
Se é familiar ou amigo do doente, trate-o da forma como sempre fez;
Se não é familiar ou amigo do doente, trate-o da forma como ele estava habituado;
Fale com o doente de acordo com o seu grau de proximidade e relacionamento;
Não aborde situações dolorosas ou traumáticas;
Adeqúe o contacto físico à presente situação de distanciamento social, usando-o apenas no limite das necessidades.
A evitar
Adoptar uma atitude paternalista;
Transmitir mais do que uma informação ou instrução de cada vez;
Pressionar as respostas: dê tempo ao utente para a compreensão, a integração e posterior resposta;
Insistir em obter uma resposta quando o utente mostra enfado ou recusa em o fazer.
Estas regras podem e devem ser utilizadas nas unidades referidas e também pelos outros cuidadores, familiares ou outros na residência do idoso.