Carlos Costa Almeida (*)
O mundo está a viver uma epidemia de covid-19, a doença provocada pelo novo coronavírus. Tal como outras doenças virusais, incluindo a gripe, a covid-19 não tem tratamento especifico eficaz. É uma doença autolimitada, quer dizer, que desaparece por si, mas que evolui de modo diferente consoante os doentes, desde ser assintomática até ser letal, e o que há a fazer é manter o doente vivo até a doença se desvanecer e o doente se curar, ficando imunizado.
A maior incidência patológica do novo coronavírus é na árvore respiratória, com estabelecimento de pneumonia, mas tem também eventuais repercussões noutros órgãos e sistemas, como os rins, podendo acabar numa falência orgânica múltipla que causa a morte. Por isso os casos mais graves têm absoluta necessidade de unidades de cuidados intensivos e suporte ventilatório, além do contributo de várias especialidades médicas.
A taxa de mortalidade no nosso país anda à volta de 1%, mas a esmagadora maioria de doentes podem ser tratados em casa. Que é onde devem ser confinados todos os infectados que não necessitam de internamento, bem como os suspeitos de infecção e, numa tentativa máxima de atrasar a disseminação da doença, todos os que lá se puderem manter.
O maior problema que se coloca é a da eventual falta de meios para tratar os que disso necessitem em ambiente hospitalar, pela complexidade de meios a que isso obriga e pelo rápido crescimento do número de infectados doentes. Há, pois, que acautelar a disponibilidade desses meios, na quantidade do que for necessário. Com esse objectivo, no mundo inteiro se procurou aumentar o número de camas para esse tratamento: ou se construíram hospitais de raiz para isso, ou se instalaram hospitais de campanha, ou tendas, ou se reservaram clínicas particulares ou até hotéis, para ter camas suficientes para eventualmente albergarem doentes desta doença.
Em Coimbra foi decidido reservar o Hospital dos Covões para o tratamento hospitalar da covid-19. Assim, este Hospital foi considerado um Hospital de referência para o tratamento desta pandemia. Pois ainda bem que ele existe, e que Coimbra continua a ter dois Hospitais Gerais Centrais. Porque só assim o tratamento desta doença pode ser concentrado num deles. Num Hospital que tem todas as condições técnicas e tecnológicas que permitem esse tratamento, complexo que é. Num Hospital de que alguém em Coimbra ainda há bem pouco tempo dizia que necessitaria de milhões de euros de investimento para poder dar apoio a uma Maternidade como Hospital Geral… E agora, sem se gastar um cêntimo, de um mês para o outro, é um Hospital de Referência numa epidemia mundial! Com todos os meios que são necessários para tal…
Mas ainda bem que assim é. Porque se o Hospital dos Covões não existisse mais como Hospital Geral Central, e tivesse sido transformado numa outra coisa qualquer, para onde iriam agora estes doentes? Encher ainda mais o HUC? Ou talvez para uma tenda de campanha à entrada da sua Urgência, como aconteceu noutros hospitais?… Bom, e poderia ser assim porque entretanto não construíram a nova Maternidade nesse espaço, já que nesse caso nem lugar haveria para essa tenda!
É claro que é importante não espalhar estes doentes por vários hospitais, e por várias enfermarias. E se tem procurado mantê-los nos hospitais de referência, tanto quanto possível. aumentando, nestes, as camas disponíveis. Mas o que foi feito em Coimbra é que se esvaziou um Hospital inteiro, com 96 % das camas utilizadas ocupadas, retirando de lá todos os doentes que tinha, mandados para casa ou transferidos de hospital, para ter camas vagas para os doentes de covid-19.
E a Urgência fica apenas para esses doentes, sendo que os que foram entretanto tratados no Hospital e são lá seguidos, terão de se dirigir a procurar ajuda, inclusivamente urgente, noutro local, ainda por cima com as restrições agora exigidas. Não houve a decisão de abrir as muitas camas (mais de cem) que continuam fechadas no Hospital dos Covões. Nem nesta emergência! Elas mantêm-se encerradas, inúteis, e nem a necessidade óbvia de, tal como em todo o mundo se fez, aumentar recursos para uma doença nova que se apresentou de repente em números galopantes, as levou a ser de novo abertas. E, daí, a acumulação ainda maior de doentes no HUC vai ter as suas consequências nefastas.
Se é verdade que a procura pelos doentes agora é menor, pelo confinamento em casa e pela redução de acidentes rodoviários pelo muito menor volume de trânsito, é verdade também que todas as outras doenças não desapareceram, muitas delas muito mais mortais que a covid-19, e cujo diagnóstico e tratamento tardios serão o factor determinante do êxito letal dos doentes. Sem repercussão nos noticiários, admite-se…
Em conclusão, o Hospital dos Covões mostra-se, mais uma vez, como uma absoluta necessidade para Coimbra enquanto Hospital Geral Central. Mas mesmo tendo de se reconhecer isso, mantêm-se limitado, truncado, querendo-se que funcione sempre e apenas como uma ajuda, absolutamente indispensável, vital, ao que se insiste em que seja o único Hospital Geral Central de Coimbra, o HUC, assoberbado e esgotado de trabalho que este esteja.
Foi isto que o novo coronavirus veio mostrar a Coimbra. Espera-se que Coimbra veja. E se lembre de que já foi Capital da Saúde, quando tinha dois Hospitais Gerais Centrais. E que ainda os tem…
(*) Prof. Doutor da Faculdade de Medicina de Coimbra, Centro Cirúrgico de Coimbra e ex-Director de Serviço de Cirurgia do Hospital Geral-CHUC