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Semanário no Papel - Diário Online

 

João Pinho

Pandemia, histeria e economia

19 de Março 2020

Coronavirus

O presente surto pandémico parece transpor para a realidade os argumentos já conhecidos de livros, filmes e séries apocalípticas, conspirações e dotes premonitórios – que seria enfadonho enumerar.

O nosso primeiro-ministro ajudou à festa quando decidiu mobilizar o país para a «luta pela sobrevivência», dramatizando no discurso político a realidade sentida há muito, no dia-a-dia, pelos hospitais e serviços públicos de assistência – sem “direito” a epidemias ou pandemias.

Talvez António Costa não tenha grande apreço pela História enquanto ciência social. Se tivesse perceberia que a História da Humanidade foi sempre essa: lutar pela sobrevivência, adaptação às condições do meio, resiliência e uso da inteligência e esperteza para contornar as situações mais difíceis.

É possível que a humanidade tenha estado por um fio em diversas situações da sua existência. Relembremo-nos da peste negra, por exemplo, em que não é possível imputar a laboratórios produtores de vírus, instalados algures na Sibéria ou nas entranhas da China, a responsabilidade do seu surgimento por motivações económicas – como veementemente reclamam alguns histéricos e conspirativos cérebros que em última análise apontam o dedo aos alienígenas.

Eu acredito nos homens e na ciência. Nesse sentido retive o que certo dia escutei a um reputado especialista: «a humanidade acabará, é certo, devido a uma desordem de ordem física, química ou bacteriológica». Com isto quero dizer que tenho mais medo do nuclear do que deste surto pandémico (mais um na longa história da humanidade, embora extremamente perigoso).

As autoridades sanitárias europeias, em articulação com os governos dos países federados, tomaram medidas nunca antes estabelecidas de isolamento social e de restrição de circulação de pessoas e bens. Nota-se que a propagação viral causou um efeito-surpresa nos organismos mundiais que superintendem a saúde, e que só após o incidente da Itália acordaram, definitivamente, para a gravidade do problema, procurando recuperar o tempo perdido. Mais uma vez não se preveniu e restou remediar perante um quadro de poucos ventiladores disponíveis, profissionais desprotegidos, inexistência de vacina e de fármacos específicos.

E o povo? Apanhado desprevenido com um tsunami de contágio progredindo no sentido contrário ao ponteiro dos relógios, de leste para oeste, foi convidado a agir em nome da sua sobrevivência: de um dia para o outro havia que ficar em casa, entre quatro paredes, cuidando de filhos e netos, impedidos de trabalhar ou em regime de teletrabalho, de frequentar espaços de sociabilidade, de comprar apenas o essencial. Um cenário de guerra contra inimigo invisível que Raul Seixas antecipou na música “O dia em que a terra parou”.

Sem explicações adicionais abriu-se o campo da especulação fácil e a histeria foi-se instalando: supermercados vazios, farmácias a esgotarem stocks de máscaras e medicamentos, gasolineiras entupidas, etc. Uma maravilha para as multinacionais que norteadas pelo lucro fácil viram nas dificuldades oportunidades de ampliar o seu domínio, protelando decisões e soluções em nome do vil metal.

Como corolário desta nova realidade emergiu o desrespeito para com aqueles que interagem directamente com o público: desfeita a confiança foram de súbito elevados ao patamar de descartáveis e semi-leprosos, mesmo que tenham sido os primeiros a tomar as medidas imediatas de prevenção!

Resta-nos agora esperar que tudo passe e regresse à normalidade, mais mês menos mês. Tempo para os mais optimistas fazerem correntes de energia, baterem palmas e depositar nos profissionais da saúde todas as esperanças de salvação. Até que passe a quarentena o país fechou. Para balanço social, político e económico – cujos custos se anteveem catastróficos.

(*) Historiador e investigador