Poucas democracias optam por tribunais constitucionais, dispensando esse apêndice. Em Portugal, o nosso TC, de nomeação política, é o órgão supremo de recurso. Sem nenhum controlo activo, assim fomos conduzidos a uma progressiva dependência face a quem o nomeia: evidência desse mal-estar foi o recente chumbo de candidatos, na AR, por dúvidas de isenção.
Tendo o Tribunal de Contas indiciado algumas práticas incorrectas do TC, ou mesmo graves violações à lei, alegadamente cometidas por altos responsáveis, práticas que determinariam uma rigorosa investigação policial em qualquer Estado de Direito, a resposta foi: – Quem manda somos nós!
Perante este “irregular funcionamento das Instituições”, a Provedoria da Justiça, a Procuradoria, a Assembleia e a Presidência da República mantiveram um total alheamento, configurando-se uma promiscuidade intolerável entre a Justiça e a Política.
Compete ao Tribunal de Contas fiscalizar as contas da Administração e corrigir procedimentos que violem as regras, pelo que também lhe foi atribuído o controlo das despesas do sistema político-partidário. “Mal” que os partidos políticos ultrapassaram, passando essa alçada para o Tribunal Constitucional. Uma decisão tanto mais insólita, até por que “obrigou” esta Instituição a recorrer a uma “comissão independente” que, aparentemente, assenta as suas decisões num gabinete privado.
Não admira que, em favor dos partidos do “charco-da-governação”, o Tribunal Constitucional levante hoje todo o tipo de obstáculos aos movimentos cívicos e às candidaturas independentes, com a imposição de práticas e de leis de inconstitucionalidade indisfarçável: a título de exemplo, lembro que as candidaturas independentes pagam IVA e as partidárias gozam de isenção desse imposto. Será que os juízes desconhecem que a nossa Constituição proclama o princípio da igualdade?
Encerrada a última campanha para as Presidenciais, o TC entendeu suscitar múltiplas questões sobre irregularidades e até ilícitos em torno dos gastos da minha candidatura, que nem sequer beneficiou de patrocínios obscuros ou de subvenções oficiais e que em pouco excederam 20 000 euros.
Resultado dessa exaustiva investigação, foi-me mesmo levantado um processo-crime por insuficiências detectadas na “declaração de património e de rendimentos”, com acusações desajustadas ou mesmo delirantes. Sem surpresa, tal processo suscitava ainda outras matérias que nada tinham a ver com a candidatura e que configuram uma devassa à minha vida privada: 97% dos magistrados portugueses merecem boas classificações, pelo que acredito ter 97% de possibilidades de sair inocentado, até por que, entretanto, o Ministério Público já encerrou várias dessas “pistas”.
Enquanto isto, e alegando dúvidas insanáveis sobre irregularidades processuais, recebi também o anúncio de várias contraordenações que poderão obrigar ao pagamento de coimas que, no limite, poderão exceder largamente o custo da campanha.
Neste novo caso, três razões me impedem de estar optimista: porque quem aprecia a réplica é quem promove as acusações; porque dessa decisão só cabe recurso para o Tribunal Constitucional, o mesmo que tutela essa entidade; porque todos esses juízos estão beliscados por notório conflito de interesses.
E é assim que, naturalmente, três questões se levantam: Será esta uma boa prática num Estado de Direito? Será que as instâncias europeias não irão dar provimento ao recurso que, naturalmente, desencadearei? E quem vai pagar tudo isso?
Perante o silêncio a que assisto, será que a sociedade portuguesa não está ainda mais doente do que no tempo da ”outra senhora”, quando milhares de verdadeiros democratas e patriotas erguiam a sua voz e resistiam, heroicamente, aos Tribunais Plenários da ditadura?