Um estudo do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (UC) revela que cerca de 80 por cento dos processos instaurados pela Comissão pela Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR), entre 2006 e 2016, acabaram arquivados.
O projecto de investigação “COMBAT – O combate ao racismo em Portugal: uma análise de políticas públicas e legislação anti-discriminação” analisou processos de contra-ordenação instaurados pela CICDR, entre 2006 e 2016 e findos até Fevereiro deste ano, em três áreas específicas (educação, habitação/vizinhança e forças de segurança).
Ao todo, foram analisados 106 processos, cerca de 45 por cento da totalidade dos processos instaurados pela comissão durante o período referido.
Os resultados mostram que “80 por cento dos processos foram arquivados, sendo 22 por cento por prescrição”, valor que aumenta para casos relacionados com a habitação e vizinhança, em que o arquivamento por prescrição atinge os 47 por cento”, salienta a coordenadora do COMBAT, Sílvia Rodríguez Maeso.
“Apenas 7,5 por cento dos casos resultaram em condenação, sendo que, se forem consideradas as condenações impugnadas e anuladas em tribunal, a percentagem desce para 5,8 por cento dos processos com condenação efectiva”, salienta a investigadora do CES.
Cerca de um terço das queixas apresentadas referem a discriminação “com base na origem étnico-racial afrodescendente/origem africana/negro, 17 por cento com base na origem étnico-racial cigana e 44 por cento com base na nacionalidade (principalmente a brasileira, ucraniana, romena e moldava)”, afirma Silvia Rodríguez Maeso.
De acordo com a coordenadora do projecto, a análise do estudo revelou “práticas institucionais negligentes, que se revelam no número elevado de arquivamento por prescrição (tanto no âmbito da CICDR como das inspeções competentes em cada área)”.
“A falta de resposta atempada e os conflitos negativos de competências indicam falhas sistemáticas no acesso à justiça e desprotecção dos cidadãos perante os processos burocráticos”, acrescenta a investigadora, chamando ainda a atenção para “a ausência de desenvolvimento de uma doutrina jurídica e jurisprudência no âmbito da discriminação racial”.
Para Silvia Rodríguez Maeso, constata-se uma desprotecção dos queixosos no processo de instrução, “sobretudo na área relativa à intervenção das forças de segurança”, aquando da apreciação da prova produzida e apuramento dos factos.
“Por outro lado, identifica-se a persistência de um entendimento limitado por parte dos órgãos competentes do que constituiria “ódio racial” ou discriminação racial, que está presente também na forma como o racismo é traduzido na legislação”, salienta.
Vinte anos após a promulgação da lei que proíbe e sanciona a discriminação racial e 15 anos volvidos da transposição da Directiva Europeia de Igualdade Racial para a ordem jurídica portuguesa, “considera-se urgente a abertura de um debate público sobre a implementação e efectivação desta legislação”, vinca Silvia Rodríguez Maeso.
O projecto, que envolveu investigadores de várias áreas, como sociologia política, sociologia do direito ou antropologia, apresentará, amanhã (28), as suas conclusões, durante o seminário “O estado do racismo em Portugal: a legislação de combate à discriminação racial em debate”, a decorrer no Museu do Aljube, em Lisboa.