Coimbra  16 de Fevereiro de 2025 | Director: Lino Vinhal

Semanário no Papel - Diário Online

 

Mário Frota

“Era a água, meu bem, era a água”…

20 de Fevereiro 2020

O panorama da água em determinados municípios do País.

A Lei de 20 de Agosto de 2009 que estabelece o regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos urbanos prevê, num dos seus dispositivos, que a gestão de tais serviços é atribuição dos municípios e pode ser por eles prosseguida isoladamente ou através de associações de municípios ou de áreas metropolitanas, mediante sistemas intermunicipais, de harmonia com o que nela se prescreve.

Os municípios desde sempre exerceram, com proficiência, tais atribuições e a forma como, em geral, o fizeram não suscitava reparos de maior.

Na eficiência, afinal, a rotina de um serviço que não sobressaía porque em sintonia com os objectivos que se lhes cometera e com o quotidiano dos munícipes.

Mercê de circunstâncias, que talvez merecessem cuidada análise, a ineficiência sobreveio, os prejuízos avolumaram-se e, menos por apetência do que para se libertarem de encargos e demais exigências funcionais, municípios houve que outorgaram a empresas intermunicipais a gestão corrente dos serviços, como aconteceu com a Lousã e uma mancheia (ou duas) de municípios aderentes. Que entregaram tais desígnios a uma empresa intermunicipal do denominado Pinhal Interior.

O princípio, em si, poderá não ser recomendável, já que aos municípios, a cada um de per si, cumpriria lograr as vias para que, em gestão equilibrada, se servissem os interesses próprios das populações a que se adscrevem. Nem será, desde logo, condenável.

Pior é que, no distanciamento face às populações que serve, uma empresa do jaez destas se torne pesada na sua estrutura, com uma gestão demasiado onerosa, que os consumidores pagarão obviamente na sua factura regular, indiferente às especificidades locais e, no limite, uma porta aberta para a concessão em exploração a privados de um bem do domínio público que a todos e a cada um importa.

Desde logo, os interesses dos consumidores não estão directamente acautelados porque da estrutura de gestão, que se saiba, não há uma representação dos próprios munícipes-consumidores, através de instituição criada ou a criar, que “são os olhos do dono que guardam a vinha”…

Depois, porque a novidade está no “rebentar da escala” porque surge não só o agravamento de preços da água como a criação ou recriação de taxas sem correspondência com serviços prestados.

Confira-se o que, a propósito, nestes últimos dias, consumidores mais despertos e interventivos se fizeram eco nas páginas dos matutinos de Coimbra, designadamente a elevação dos preços da água nos dois primeiros escalões e o débito de taxas de saneamento básico em aldeias que não dispõem de rede de saneamento, o que prefigura uma ilegalidade manifesta porque as populações (cerca de 80%) suportarão o preço de um serviço que não é efectivamente prestado.

Como, numa primeira aproximação, a contratação de serviços aos privados (o serviço de atendimento às populações foi cometido aos CTT, sem que, ao que se saiba, num domínio com particulares exigências, os empregados dessa empresa privada tenham recebido formação específica para poderem estar à altura das solicitações dos consumidores…).

O que é, de si, um mau prenúncio porque de “privatização” em privatização se chega à privatização total.

Recorde-se o caso das águas na Figueira da Foz, cuja concessão por 30 anos Santana Lopes deu a uma empresa – a Águas da Figueira, S.A. –, agravando a vida dos munícipes, directa e reflexamente, mas em que as rendas que a Câmara Municipal hoje recebe (cerca de 300 mil euros) não chegam para pagar os consumos de água do próprio Município que ascendem ao dobro (600 mil euros)…

Distorções destas e tantas mais que, com o decurso do tempo, decerto ocorrerão, obrigam a que os munícipes-consumidores se concertem e oponham o bem fundado dos seus argumentos e direitos contra o que, afinal, os não serve de todo e constitui um flagrante desvio da gestão dos bens de domínio público, como a água, que é, além do mais, DIREITO HUMANO que, como tal, deve ser perspectivado, em extensão e profundidade.

Que só é direito o que for útil ao povo, no quadro de princípios e valores em que as comunidades se fundam…

O mais são interesses destituídos de interesse!

apDC – DIREITO DO CONSUMO – Coimbra