O médico e antigo secretário de Estado da Saúde José Martins Nunes defendeu, hoje, que a despenalização da eutanásia não é uma questão de consciência individual, nem um sinal de progresso civilizacional.
“Legalizar a morte provocada (assistida) é um retrocesso civilizacional, ao desprezar os valores humanistas e solidários, assim como os conceitos éticos e morais de uma sociedade que deve ter a vida como objectivo primordial”, disse o médico à agência Lusa.
Na opinião do antigo governante no XII Governo Constitucional, um Estado “deve, sim, disponibilizar, em nome da dignidade do final de vida, os recursos científicos e técnicos disponíveis e hoje existentes – medicina paliativa -, para que se reforcem os laços de uma sociedade profundamente humanista e não que o Homem seja transformado em utilitarista do seu corpo, em nome de uma liberdade individual, que alguns querem transformar em mera questão de decisão de consciência”.
O ex-presidente do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) critica os partidos que se apressaram a levar à Assembleia da República a aprovação da lei da despenalização da eutanásia, “quando há menos de dois anos a mesma lei foi rejeitada”.
“Só pode ser por oportunismo político, aproveitando a nova composição partidária, tanto mais discutível quanto não foi tema da recente campanha eleitoral”, sublinha José Martins Nunes.
Por outro lado, acrescenta, “quando os partidos abdicam da responsabilidade de tomarem posição partidária e deixam à consciência individual de cada deputado a decisão sobre a inclinação do voto, estão, numa humilde perspectiva, a ofender a consciência colectiva do povo que os elegeu”.
“Legislar sobre a morte provocada (assistida) é uma discussão de opções políticas muito séria, muito complexa e com consequências sociais e éticas de grande dimensão, que deve ser objecto de profunda reflexão e discussão esclarecida, alargada e sem pressas”, considera.
Martins Nunes, que foi Alto Comissário para a Saúde Global até ao final de 2019, não aceita, como médico, “a institucionalização da morte induzida, dados os valores da profissão e o respeito pela vida humana, como o seu objectivo primordial”.
“Como cidadão, rejeito a morte provocada (ou assistida), porque quero exigir ao meu país um Serviço Nacional de Saúde (SNS) que seja capaz de utilizar a ciência disponível para dar à vida e ao final da vida a dignidade que todos merecemos e exigimos”, frisou.
A Assembleia da República debate no dia 20 cinco projectos de lei para a despenalização da morte assistida, do BE, PS, PAN, PEV e Iniciativa Liberal, que prevêem essa possibilidade sob várias condições.
Em 2018, o Parlamento debateu projectos de despenalização da eutanásia, apresentados pelo PS, BE, PAN e Verdes, mas foram todos chumbados, numa votação nominal dos deputados, um a um, e em que os dois maiores partidos deram liberdade de voto.
Este ano, um grupo de cidadãos iniciou uma recolha de assinaturas para realização de um referendo sobre a matéria, que tem o apoio da Igreja Católica. Dos partidos com representação parlamentar, apenas o CDS-PP e o Chega apoiam a ideia, assim como vários dirigentes do PSD.