Uma batida à raposa, agendada para dia 23 de Fevereiro, na freguesia de Quiaios, na Figueira da Foz, motivou um advogado a apresentar uma queixa em tribunal por um alegado crime de perseguição aos caçadores.
O visado da queixa é o autor e administrador de uma página de Facebook (intitulada “Maré Quiaios – Plataforma Virtual 3.0 de Moradores da Freguesia de Quiaios”) que, argumenta o advogado André Grácio, de Abrantes, e ligado às causas do mundo rural, estará a “angariar cúmplices para promover um boicote a um acto venatório legal”, uma batida à raposa.
A queixa, a que a agência Lusa teve hoje acesso, é endereçada ao procurador do Ministério Público (MP) do tribunal judicial da Figueira da Foz.
A identificação do autor, segundo o queixoso, é necessária “de forma a poder ser elaborada queixa-crime contra pessoa certa e determinada”. “Este desconhecido, escondido atrás de uma página de rede social, convida a ir, no dia 23 de Fevereiro, com o uso de buzinas, estragar uma batida às raposas e chega até a pedir informação sobre os pormenores da batida para poder lograr tal intento”, adianta André Grácio.
“Não é crime estragar um acto venatório, mas é crime quem incomoda ou persegue um cidadão apenas porque pensa ou age de forma diferente e neste caso legalmente”, acrescenta o advogado. Mais grave, enfatiza, “é instigar, através de meio público, à prática desse crime”, acção também punida por lei: “E aqui não temos dúvidas da prática de um crime público”, alega, dirigindo-se ao procurador adjunto do MP.
André Grácio, que ainda em Novembro do ano passado foi promotor de uma concentração em Lisboa em defesa do mundo rural, avisa que estarão presentes na batida à raposa “várias pessoas com licença de uso e porte de arma” (caçadores), mas, “pelos vistos, haverá quem aparecerá apenas com o intuito de os provocar”.
O autor da página “Maré Quiaios” – refere a queixa – argumenta numa publicação “a GNR estará presente para proteger quem aparecer para boicotar” a batida, afirmação que sustenta ser “demasiado grave para ignorar”.
Ouvido pela Lusa, André Grácio, ele próprio caçador, manifestou-se preocupado com a possibilidade de confrontos: “Entre os caçadores há quem aceite as críticas, mesmo que não concorde com elas. Mas também há pessoas que não têm essa mentalidade, estão a ser provocadas, têm pouca capacidade de encaixe e não percebem as redes sociais. Isto tem tudo para correr mesmo mal e ganhar proporções difíceis de controlar”, alertou.
A agência Lusa contactou por escrito a página em causa, sem obter qualquer resposta, e tentou ouvir um dos representantes do movimento de cidadãos, mas este não prestou declarações, referindo, por interposta pessoa, pretender manter-se anónimo.
Numa das publicações mais contestadas, a página “Maré Quiaios” explica, detalhadamente, os contornos do protesto, agendando uma concentração para as 07h50 – 10 minutos antes da chegada dos caçadores ao local de encontro – e apelando à “compra de buzinas”, para acompanhá-los na floresta.
Em alternativa à buzina, o autor pede a quem tenha “uma pequena coluna portátil de som” que a leve e ponha a tocar “a música de aviso” – uma sirene de alarme nuclear – reafirmando, por duas vezes, que a GNR – que possui um posto territorial na localidade da Praia de Quiaios, a poucas centenas de metros do local da concentração dos caçadores – “vai ser avisada”.
“Estejam tranquilos, pois vão estar em segurança. Não nos podem proibir de buzinar, apitar ou colocar música por uma digna causa. Se [os caçadores] vão perder os nervos é problema deles e para isso lá vai estar a GNR”, argumenta.
Contactada pela Lusa, fonte do departamento de relações públicas do Comando Territorial da GNR de Coimbra, disse que tem vindo a acompanhar a situação, asseverando que serão tomadas as medidas “necessárias para manter a ordem pública”, caso necessário.
Também a concelhia da Figueira da Foz do Bloco de Esquerda (BE) condena “veementemente” a realização de batidas à raposa naquele município, exigindo que “cessem imediatamente” os apoios institucionais concedidos por juntas de freguesia.
Em comunicado, o BE da Figueira da Foz refere três iniciativas do género – uma já realizada na freguesia de Alhadas, outra prevista para o próximo sábado (15), em Vila Verde, e uma terceira agendada para dia 23 na Praia de Quiaios – manifestando-se “do lado da população e das associações que têm vindo a denunciar esta prática”.
“Consideramos esta prática ultrapassada, violenta, anti-pedagógica e desprovida de qualquer justificação plausível. Não existe qualquer estudo que demonstre que a raposa seja uma praga em Portugal para que se invoque o controlo da população da espécie”, argumenta a concelhia do BE.
Desde o passado fim-de-semana, com origem na rede social Facebook, que está instalada uma polémica na Figueira da Foz, devido à batida à raposa e saca-rabos agendada para a freguesia.
Ouvida pela agência Lusa, a coordenadora do BE da Figueira da Foz, Carla Marques, disse que o partido irá associar-se ao protesto “ao lado da população”. “Não concordamos em nada com estas práticas bárbaras do século XIX”, argumentou.
A autoria da página de Facebook onde surgiu a promoção do protesto é desconhecida, mas várias fontes argumentam estar relacionada com o Bloco de Esquerda, dado o cariz de algumas publicações ali divulgadas, que remetem para posições e outras páginas daquela força política.
Questionada sobre se a página “Maré Quiaios” é promovida pelo Bloco de Esquerda, Carla Marques respondeu que os movimentos cívicos “têm elementos de vários partidos”.
“Também há elementos do Bloco neste movimento, eu própria faço parte porque concordo com as posições que defende”, revelou.
Já sobre o anonimato dos autores da página, a responsável do BE disse respeitar “que não se identifiquem”, argumentando que as pessoas “são livres de tomar as posições que entendem”.
Um dos elementos do clube que organiza a batida critica a forma como a contestação tem vindo a ser dinamizada, argumentando que os caçadores estão a ser provocados e alvo de ameaças de vária índole, como “chamadas anónimas”.
“O problema deles [dos críticos] não é a caça à raposa, a maior parte deles quer vir aqui para andar à bofetada, estão a instigar à pancadaria. As pessoas são livres de criticar mas dentro dos limites, não podem insultar nem ameaçar ninguém”, alegou.
O dirigente, que pediu para não ser identificado por, alegadamente, estar a receber “ameaças de morte”, argumenta ainda que a rede social Facebook tem vindo a ser utilizada para “inventar histórias que não são verdadeiras”.
Aludiu, concretamente, a duas raposas que costumam circular na localidade da Praia de Quiaios “e que são alimentadas à mão pelas pessoas”.
“Andam a dizer que temos como objectivo matar aquelas raposas, mas nunca íamos para o meio das casas, não podemos andar armados na rua ou caçar no meio das casas”, sublinhou.
Perante a possibilidade de confrontos com os manifestantes, o elemento da organização põe, no entanto, a hipótese de a iniciativa vir a ser cancelada no próprio dia: “É muito fácil [os críticos] estarem a teclar atrás de um computador a dizer que fazem e acontecem. Mas se vir que aquilo está mal parado, pura e simplesmente cancelo, porque depois a água ferve tanto de um lado como do outro”.
A batida à raposa em Quiaios motivou, igualmente, uma petição pública, que preconiza o cancelamento da iniciativa e que reuniu, em cinco dias, cerca de 2 500 assinaturas.
A autora, Anabela Santos, reside na Praia de Quiaios, mas recusa ser apelidada de “activista”: “Fiz a petição apenas porque gosto de animais, não quero isto [a batida à raposa] perto de mim e não concordo com este tipo de caça”, afirmou.