Cláudia Seabra, investigadora da UC e primeira autora do artigo
“Os atentados terroristas perpetrados em vários países europeus tiveram um forte impacto, positivo, na chegada de turistas a Portugal, especialmente nos últimos anos”. É esta a conclusão de um estudo desenvolvido por uma equipa de investigadores da Universidade de Coimbra (UC) e do Instituto Politécnico de Viseu (IPV) e financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).
Na realidade, este foi “o primeiro estudo a analisar os efeitos que os atentados terroristas podem ter sobre a procura turística num país sem registo de episódios deste tipo”, e Portugal foi o país escolhido pela equipa, constituída por Cláudia Seabra, José Luís Abrantes e Pedro Reis, por ser considerado “um país seguro, um dos poucos no mundo onde não há registo de atentados terroristas”.
O estudo abrangeu o período compreendido entre 2002 e 2016, e numa primeira fase, “os investigadores analisaram em simultâneo as chegadas de turistas a Portugal, classificados por região de origem, e os eventos de terrorismo ocorridos nos países considerados pela Organização Mundial do Turismo como fazendo parte da região turística europeia, durante o mesmo período de tempo, observando o número e a severidade (medida em função da frequência, número de feridos e mortos) dos atentados”, revela a UC.
Posteriormente, foram seleccionados os países mais afectados pelo terrorismo, designadamente Alemanha, Espanha, França, Grécia, Israel, Reino Unido e Rússia”.
“Para analisar as ligações entre os atentados e as chegadas de turistas ao nosso país, entre 2002 e o final de 2016, foi utilizado um modelo autorregressivo de vector (VAR) para análise multi-variada de séries temporais”.
Os principais resultados foram já publicados na revista científica ‘Annals of Tourism Research’ e mostram que “os ataques terroristas têm tido um efeito muito positivo nas chegadas turísticas em Portugal, isto é, atentados terroristas em países que são grandes mercados receptores como França, Alemanha e Reino Unido têm desviado turistas de grandes mercados emissores, nomeadamente da Ásia, da América do Norte e também da Europa para o nosso país”, explica Cláudia Seabra, docente na Faculdade de Letras da UC e primeira autora do artigo.
Por outro lado, este estudo confirmou o efeito “spillover” causado pelos atentados na procura turística. “O efeito spillover refere-se aos efeitos colaterais de contágio, positivos ou negativos, por exemplo, levando os turistas a rejeitar e substituir destinos considerados inseguros por outros que consideram mais seguros”, adianta.
Neste estudo verificou-se que “os ataques cometidos em Espanha têm uma contribuição negativa para a vinda de turistas da Ásia para Portugal. Isto acontece porque, para estes turistas, Espanha e Portugal pertencem ao mesmo território ibérico, pois estão localizados na mesma área geográfica e de risco, provando o efeito de contágio”, explica a também investigadora do Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território (CEGOT), que desde 2007 estuda os riscos do turismo.
As conclusões desta investigação, além de contribuírem para se perceber melhor os factores que podem influenciar os fluxos turísticos, chamam a atenção para dois aspectos muito importantes, segundo Cláudia Seabra: “Primeiro, mostram que será muito importante e muito interessante que Portugal baseie a sua promoção turística na questão da segurança, mas de forma subtil e não directa, porque a questão da segurança é muito complexa e mesmo perversa. A qualquer momento, pode acontecer algo que contrarie este estado de coisas, porque o terrorismo é completamente aleatório”.
Quando se fala de segurança, “não é só ao nível do terrorismo, mas também outros factores de risco, como violência, criminalidade, doenças, catástrofes naturais, instabilidade política, etc. Enquanto os outros factores de risco são mais ou menos previsíveis, o terrorismo é completamente aleatório e imprevisível. E os últimos atentados têm-nos mostrado isso”, realça.
Em segundo lugar, prossegue Cláudia Seabra, este estudo prova que, “em termos de promoção, o nosso país poderia e deveria apostar noutros mercados. Nós estamos muito dependentes de mercados europeus, como Reino Unido ou Alemanha, e este estudo prova que há outros mercados muito interessados em Portugal, nomeadamente o mercado africano. Embora não sendo o mercado com o maior número em termos de chegadas, é um mercado muito importante em termos de receitas porque os turistas que vêm gastam muito dinheiro”.
Outros mercados importantes para Portugal explorar são, na opinião da investigadora, “o asiático e o americano. Tem-se notado um aumento nas chegadas ao nosso país, e sendo mercados que estão mais longínquos de Portugal, têm estadas muito mais longas e por isso também geram receitas mais elevadas”, acrescenta.
“Se não diversificarmos os mercados”, adverte, “corremos o risco de nos tornarmos num destino massificado e pouco prestigiado. Ou seja, já não se trata de aumentar o número turistas, mas sim de estabilizar o número de chegadas e aumentar as receitas. Este é o esforço que o nosso país tem de fazer”.
O artigo científico pode ser consultado em: https://doi.org/10.1016/j.annals.2019.102811