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Mário Frota

Tribunais Arbitrais de Consumo julgam acções de despejo?

29 de Janeiro 2020

Alguém da Defesa do Consumidor, terá afirmado, no programa da SIC – “Contas Poupança” -, de Pedro Andersen, que as acções de despejo podiam ser metidas nos tribunais arbitrais de consumo.

Será que nos pode confirmar isso?

Se são mais rápidos, como se diz, passa a ser melhor meter lá as acções.

Daí a minha questão.”

Os tribunais arbitrais de consumo são, na verdade, mais céleres. E oferecem tantas garantias como os tribunais judiciais.

Ainda que, em dadas circunstâncias, o contrato de arrendamento urbano possa configurar uma relação jurídica de consumo, pode asseverar-se que as acções de despejo não poderão ser ali propostas.

Em primeiro lugar, convém dizer que os tribunais arbitrais, como órgãos alternativos de resolução de litígios, são de uma mão só: apenas podem ser accionados pelos consumidores, que não pelos fornecedores.

Por conseguinte, como a acção de despejo é movida pelo locador (proprietário, etc. …) contra o locatário, logo por aí não poderia sê-lo.

Depois, porque o Código Civil, no n.º 1 do seu artigo 1084, diz que “A resolução pelo senhorio com fundamento numa das causas previstas no n.º 2 do artigo anterior é decretada nos termos da lei de processo.”

No n.º 2 do artigo 1083 figuram, como fundamento de despejo,

A violação de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio;

A utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública;

O uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina, ainda que a alteração do uso não implique maior desgaste ou desvalorização para o prédio;

O não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos excepcionais previstos na lei;

A cessão, total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, do gozo do prédio, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio.

A falta de pagamento das rendas é também, em dadas circunstâncias, fundamento de despejo.

O Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), porém, no n.º 1 do seu artigo 14 e sob a epígrafe “acção de despejo”, diz o seguinte:

A acção de despejo destina-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação e segue a forma de processo comum declarativo.”

O NRAU estabelece ainda, no n.º 1 do seu artigo 15, que “ O procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efectivar a cessação do arrendamento, …, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes.”

Os fundamentos para os do procedimento especial de despejo são os seguintes:

Revogação do contrato de arrendamento (por acordo entre os contraentes)

Caducidade pelo decurso do prazo, não sendo o contrato renovável

Cessação por oposição à renovação

Denúncia por comunicação pelo locador

Resolução por comunicação do locador

Denúncia pelo locatário.

No seu artigo 15-A, o NRAU estabelece:

1 – É criado, junto da Direcção-Geral da Administração da Justiça, o Balcão Nacional do Arrendamento (BNA), destinado a assegurar a tramitação do procedimento especial de despejo.

2 – O BNA tem competência em todo o território nacional para a tramitação do procedimento especial de despejo.”

Por conseguinte, parece circunscrito aos meios processuais e procedimentais o despejo, valendo, por conseguinte, quer a acção proposta nos tribunais judiciais, como o requerimento depositado no Balcão Nacional de Arrendamento, nas circunstâncias ali previstas.

Também os julgados de paz não são, segundo a matéria, competentes para o efeito.

Na verdade, a alínea g) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei 78/2001, de 13 de Julho, estabelece peremptoriamente que os jugados de paz são competentes para apreciar e decidir

acções que digam respeito ao arrendamento urbano, excepto as acções de despejo.”

Logo, também não podem os julgados de paz, órgãos extrajudiciais da administração de justiça, apreciar e julgar as acções de despejo.

Mas, pela circunstância de os despejos se restringirem aos tribunais judiciais e ao Balcão Nacional de Despejo, os tribunais arbitrais de conflitos de consumo não são competentes para eventuais acções de despejo, ainda que fossem de mão dupla, isto é, ainda que os locadores neles pudessem demandar os consumidores. O que não é, como se afirmou, patentemente o caso.

Em conclusão: as acções de despejo não podem ser instauradas nem apreciadas nem julgadas nos tribunais arbitrais de conflitos de consumo.

apDC – DIREITO DO CONSUMO – Coimbra