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Mário Frota

Uma cruzada de excelência contra a obsolescência programada

22 de Janeiro 2020

O Boletim da Ordem dos Advogados – Dezembro de 2019 – traz um escrito nosso alusivo ao tema.

Aproveitaremos a ideia para deixar consignadas umas notas acerca de um projecto de lei do PCP que visa ampliar o prazo de garantia dos bens móveis duradouros, datado de 14 de Novembro de 2019.

A obsolescência programada, na essência, é a pré-determinação do ciclo de vida de um produto. Como se, ao nascer, se inscrevesse, na sua matriz, a concreta data do seu decesso. Como se o produto, ao surgir no mercado, se fizesse acompanhar de uma certidão de óbito com o “dies ad quem”…

A União Europeia, ao enunciar propósitos e definir prioridades, no horizonte de um consumo sustentável, desdobra-se de molde a alcançar tão magno objectivo: prolongar a vida dos produtos para reduzir o inestancável volume de resíduos, protegendo do mesmo passo a bolsa do consumidor.

O Projecto de lei a que se alude (37/XIV), prescreve no n.º 1 do seu art.º 2.º:

As garantias dadas pelos fabricantes de grandes e pequenos electrodomésticos, viaturas e dispositivos electrónicos têm a duração mínima de dez anos. “

Conquanto relativize, no art.º 7.º , em termos de progressão, o sentido e alcance da norma:

4 anos de garantia mínima obrigatória a partir de 2020;

5 anos … a partir de 2022 e

10 anos … a partir de 2025.”

As disposições afiguram-se-nos irrealistas, dada a vacatio nos seus termos estimada: não se passa abruptamente, a dar de barato que se haja planeado a vida do bem, dos 2 anos para os 4 anos de garantia…

Seria algo de extremamente penalizante para os produtores.

Ademais, o paralelismo com a dos imóveis (salvaguardadas as devidas proporções) é algo de clamoroso: garante-se uma torradeira por 10 anos; um imóvel para a vida por 5…

Nem sequer se ousou, que se saiba, bulir com a “vaca sagrada” que remonta à Lei de Defesa do Consumidor.

O texto vale sobretudo pelo debate susceptível de suscitar. Na esteira, de resto, da resolução do Parlamento Europeu.

Vale ainda por envolver a comunidade jurídica na discussão dos termos da Directiva de 20 de Maio de 2019 sob o tema ”certos aspectos dos contratos de compra e venda de bens”.

E em cujo n.º 1 do art.º 10 se inscreve um prazo de 2 anos, a título de garantia de conformidade.

Sem se escusar, no n.º 3, de preceituar que “os Estados-membros podem manter ou introduzir prazos mais longos” que os ali enunciados, nesse passo se afirmando como directiva minimalista.

Mas há diferenças a realçar: não se pode meter “no mesmo saco” um pequeno electrodoméstico e um automóvel de gama média/alta…

E tal nem se tem ponderado.

Sem obtemperar que as circunstâncias actuais levaram à extinção de determinados mesteres: a reparação dos electrodomésticos quase inexiste e, em dadas hipóteses, os encargos excedem os preços de venda dos produtos novos…

No entanto, reflectindo melhor, em presença dos actuais dados do direito posto, parece não ser tão descabido o lapso de vida exigível aos produtos, recoberto pela garantia de conformidade, como o que o projecto encerra: o diploma legal em vigor ( DL 67/2003), na al. e) do n.º 3 do art.º 6.º, em sede de “acção directa”, permite que o produtor, ao ser demandado directamente pelo adquirente, se exima de responsabilidades desde que o produto haja sido posto em circulação há mais de 10 anos. Aí se estribando eventualmente o projecto em análise para superar as normas permissivas que o Parlamento Europeu, na directiva, estatuiu como mínimas, em matéria de garantia. Quando, em rigor, se deveria ter ido mais além, em termos de harmonização normativa no quadro do EEE…

Que a discussão que se vier a travar conduza a resultados que, no seio do Mercado Interior, a todos premeiem.

apDC – DIREITO DO CONSUMO – Coimbra