Duas torres em curva, que vão ser construídas na cidade chinesa de Hengyang, na província de Hunan, foram projectadas pelo arquitecto Luís Marques, natural de Buarcos (Figueira da Foz), que cresceu em Leiria e se formou em Coimbra.
Com 34 anos, o jovem já leva oito anos de actividade profissional fora de Portugal, após um estágio em Lisboa para ingresso na Ordem dos Arquitectos. Mundo fora, começou pelo Japão, no ateliê Kengo Kuma, e saltou para Inglaterra, mais propriamente para Shelfielt, onde esteve na BDP, a empresa mais internacional de arquitectos, designers, engenheiros e urbanistas.
Luís Marques ainda se aventurou por Nova Iorque (EUA), saltou para Singapura e aceitou uma proposta de trabalho, durante um ano, no Dubai, até que rumou a Taiwan, onde cumpriu o sonho de trabalhar no ateliê de arquitectura de Zaha Hadid, a iraquiana-britânica identificada com a corrente desconstrutiva, e onde colaborou num projecto de torres com estética vanguardista.
Agora, o arquitecto está há dois anos em Xangai, na China, onde é líder de projecto. Todo este percurso cumpre o “fascínio por formas de trabalhar diferente”. “A Ásia é tentadora para os jovens arquitectos, porque os orçamentos e as oportunidades são maiores, ainda há muito para fazer, os Governos querem projectar-se para o mundo e a arquitectura é mais iconográfica”, considera.
Gansos, água e fogo
O resultado de toda esta experiência adquirida culminou recentemente, com o projecto de Luís Marques, elaborado na RMJM Shanghai, a ser o escolhido, entre cinco ateliês a concurso, para ser concretizado como o Portão de Xiangjiang, na cidade de Hengyang, localizada na província de Hunan, na zona central da China.
Trata-se de um edifício, com 177 metros de altura, com um design arrojado que se afasta da visão tradicional de pórtico e se move em direcção a uma representação entre cultura, sustentabilidade e modernidade.
Este é um projecto icónico que incluirá um museu, um centro cultural, uma plataforma panorâmica e um restaurante, sendo uma referência na região e atraindo visitantes de todo o mundo.
Conforme explica o arquitecto Luís Marques, O conceito por detrás do design está profundamente enraizado na história e na cultura da cidade e da região.
Na confluência dos rios Xiang, Zheng e Lishui, as torres centrais do edifício, vistas de cima, parecem um fluxo estreito de água a passar por dois pedaços de terra. E, desta forma, este projeto presta homenagem à localização geográfica de Hangyang, mas também ao seu espírito confluente, dado que é uma cidade onde o antigo e o novo, a cultura e a modernidade, convergem em muitos aspectos.
Noutra perspectiva, o edifício parece dois gansos a tentarem voar à beira-rio, com um a olhar a cidade antiga e outro voltado para o futuro, a nova parte urbana que está a ser construída. Na poesia chinesa antiga, Hangyang era um refúgio de Inverno para gansos que escapavam do frio do norte, ganhando o apelido de “Cidade de Ganso Selvagem”. Tradicionalmente, o ganso selvagem indica uma mudança sazonal, mas também carrega uma mensagem de amor que vem de longe.
Há, ainda, um outro elemento representado: o fogo, com o edifício, de noite, a iluminar-se com os tons das chamas. Na tradição religiosa diz-se que Hengyang foi o primeiro a ter a marca de Zhu Rong, o Deus do Fogo, cuja história está contida em “Shan Hai Jing – Grande Oeste Selvagem”.
A escola que o “chumbou”
A mensagem que Luís Marques passa aos jovens arquitectos é a de que “acreditem, porque tudo é possível, nunca desistam e tenham força de vontade”. Para além do percurso profissional que arrecada já um grande êxito, fala também com a experiência de quem teve um grande percalço, em Coimbra, no seu curso.
Luís Marques chegou ao final do curso na ARCA – EUAC (Escola Universitária das Artes de Coimbra) e viu o seu trabalho reprovado. O projecto era de um lar para idosos, no Vale das Flores, e foram-lhe dizendo que era dos melhores, mas, no final, chumbaram-no.
Curiosamente, com este mesmo projecto reprovado na ARCA, Luís Marques obteve uma menção honrosa no consagrado Prémio Secil de arquitectura, destinado a estudantes, e concluiu a licenciatura na Escola Universitária Vasco da Gama (EUVG), para onde se teve de mudar para concluir com êxito arquitectura, com 16 valores.
Desde cedo mostrou a sua preferência para superfícies curvas – como o projecto que vai ser concretizado na China -, de tal forma que a sua alcunha era “Luís Hadid”, numa referência à mundialmente famosa arquitecta, em cujo ateliê acabaria por trabalhar, em Taiwan, cumprindo um sonho de estudante.
Entre a curva e a recta
Quem acompanhou Luís Miguel Claro Marques desde criança foi Cândido Ferreira, que lhe descobriu e incentivou o talento daquele pequeno que na segunda classe ainda não sabia escrever o nome, mas o surpreendeu com um desenho muito à frente para aquela idade.
“Sempre lhe dei liberdade e o incentivei para as artes e incuti auto-estima”, refere o médico, que reside em Leiria, e tem uma imensa e valiosa colecção de arte que vai poder ser apreciada num novo museu, em Cantanhede, concelho de onde é natural, e noutro na Urra, Portalegre.
“Todo o apoio que lhe dei foi para que tivesse confiança nele próprio, vontade de lutar, saber ser diferente e assumir isso”, acrescenta Cândido Ferreira.
Refere, a propósito, que um projecto de Luís Marques para o Museu de Arte e Coleccionismo de Cantanhede, uma torre apenas com 18 metros, foi rejeitado na altura. Trata-se do mesmo jovem arquitecto que vai ver um edifício que desenhou, com quase 180 metros de altura, a ser construído na China.
“Agora torna-se realidade um projecto de um jovem arquitecto que há 10 anos foi chumbado numa escola de Coimbra, um sem-abrigo em Portugal e que, actualmente, anda pelo mundo operando maravilhas, como diria Damião de Góis”, comenta Cândido Ferreira.
A propósito da linha arquitectónica seguida por Luís Marques, remata: “O Homem fez a recta; Deus trabalha com a curva”…